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domingo, 31 de maio de 2020

Lido: Desaparecer na Escuridão, de Michelle McNamara



"Apontando-lhe uma faca, fez um aviso arrepiante: "Se fizeres um único movimento, tu calar-te-ás para sempre e eu vou desaparecer na escuridão".


Apanhei - não sei há quanto tempo - uma entrevista do ator Patton Oswalt num dos vários "late nights" norte-americanos. Nessa entrevista, ele falou largamente do livro da esposa Michelle McNamara, que havia falecido antes de conseguir concluí-lo.

Fiquei curiosa, dado tratar-se de um "true crime", uma espécie de documentário - em forma de livro - sobre um serial-killer que entre 1976 e 1986 aterrorizou alguns condados da Califórnia. Michelle McNamara, jornalista, era fascinada por crimes, desde criança, quando soube que uma jovem havia sido assassinada perto da sua casa.

Esse fascínio foi crescendo há medida que ela própria ia amadurecendo. Criou um blogue "True Crime Diary" e publicou vários artigos em relação a crimes não resolvidos. Até que se tornou obcecada pelo East Area Rapist (EAR), também conhecido por Original Night Stalker (ONS) - uma figura sinistra que durante 10 anos, vigiava as suas vítimas, violava as mulheres e chegou a matar cerca de 10 pessoas.

Este livro conta-nos a forma como Michelle McNamara trabalhou no caso, as horas que perdeu a juntar factos, e a perseguir um homem que durante mais de três décadas não foi apanhado pelas autoridades... o trabalho que desenvolveu junto dos detetives do caso, ativos e já aposentados, para conseguir resolver esse mistério.

Outro aspeto muito interessante é que podemos acompanhar a forma como, por exemplo, o DNA foi ganhando importância ao longo das décadas, e a maneira como as autoridades descobriram que havia evidências em diferentes condados e tentaram estabelecer uma rede de trabalho.

Não podemos esquecer que estamos a falar do final dos anos 70 e a maior parte dos anos 80. Não havia Internet, não havia redes sociais, nem sequer plataformas para comparação de dados entre as investigações, pelas autoridades.

Este livro é um daqueles que ou se gosta ou não se gosta. Da perspetiva da jornalista, este é um livro fenomenal. É um documento brutal de um trabalho de investigação exaustivo, um verdadeiro exemplo de como deve ser a investigação jornalística. Mas não é um "bê-à-bá", não nos conta uma história linear, não é um thriller que nos desafia a descobrir o final... é um documentário que a própria autora não conseguiu concluir. Demorei, por isso, quase 15 dias para o terminar.

McNamara morreu em 2016, e o livro foi concluído pelo marido, por Paul Haynes (escritor de crimes) e por Billy Jensen (jornalista de investigação), e publicado apenas em fevereiro de 2018. Dois meses após a sua publicação, Joseph James DeAngelo, de 72 anos, foi detido. O DNA ligava-o a seis crimes, associados ao EAR/ONS.

Desaparecer na Escuridão tem prefácio assinado pela autora Gillian Flynn. A HBO adquiriu os direitos do livro, e a série está prevista para finais de junho deste ano.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Lidos: #48hnanona

A Sofia do canal The Daily Miacis e a Faith Strange do canal com o mesmo nome promoveram no fim de semana de 22 a 24 de maio um desafio de leitura: ler comics, BD's, graphic novels... o que fosse, desde que em quadradinhos. 

Alinhei, pois está claro, porque tinha, cá em casa, "material" para "despachar", nomeadamente, os volume de A Liga dos Cavalheiros Extraordinários (de Allan Moore e Kevin O'Neil). Calhou também, nesse fim-de-semana ter "desconfinado" um bocadinho e ter trazido o 2.º volume de The Promised Neverland e o 6.º de Saga.


First things first. A Liga dos Cavalheiros Extraordinários. 

Vi o filme, do princípio ao fim, há muito tempo e não me entusiasmou particularmente. Antes mesmo de saber que tinha como base os livros, achei a ideia interessante, mas houve ali qualquer coisa que não fez "clic". Mais tarde, descobri que havia um livro envolvido, que as filmagens foram caóticas, que o Sean Connery abandonou, definitivamente, a indústria devido àquele filme, que houve demasiadas liberdades artísticas que desagradaram Moore... enfim, um sem número de coisinhas ruidosas. E não perdi mais do meu tempo a pensar no assunto.

Um belo dia, encontrei os livros cá em casa. Obviamente, são do meu excelso esposo e estavam na nossa arrecadação, juntamente com outras coisinhas que irei ler com o tempo... entretanto, lancei ao Universo um "que se lixe!" e comecei a ler. Escusado será dizer que, se o filme tivesse seguido a ideia do seu criador, a coisa talvez tivesse corrido melhor. 

Estamos em 1898, ainda durante o reinado da Rainha Vitória. Mina Murray (anteriormente conhecida como Mina Harker), ao serviço da Inteligência Britânica, é escolhida para selecionar algumas das pessoas mais capazes para defenderem o Império Britânico de uma terrível ameaça. São escolhidos: o Capitão Nemo, Allan Quatermain, o Dr. Jekyll e Hawley Griffin (o Homem Invisível). É ela quem assume a liderança do grupo, até porque aquele que, em teoria, seria o mais forte - Quatermain - é viciado em ópio e está muito longe do homem das "estórias". Mina não esconde a sua desilusão, e diz-lho frontalmente. 

Nos dois volumes (que em Portugal foram, por sua vez, divididos em outros dois), o grupo consegue impedir uma guerra entre Fu Manchu e o Professor Moriarty, e tomam ainda parte dos eventos descritos na Guerra dos Mundos de H. G. Wells. 

As referências a outras personagens de outras obras é uma constante, o que acaba por ser muito divertido, na óptica do leitor, dado que temos a oportunidade de ver essas figuras do nosso imaginário a interagir.

Gostei tremendamente mais dos livros. Por coincidência, há dois dias (à data da publicação deste post) o filme voltou a passar na televisão, numa dessas dezenas de canais. Ver lá o Tom Sawyer ou o Dorian Gray não me pareceu natural, e ver a personagem de Mina tão apagada foi uma verdadeira decepção.

Os livros contêm, no fim, alguns desenhos de capas alternativas, bem como histórias que envolvem estas personagens. 

Li ainda The Promised Neverland e fiquei, novamente, rendida à saga dos órfãos que descobrem que o orfanato que habitam é algo muito diferente daquilo que pensavam. 

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Lido: Adolf, de Osamu Tezuka

No âmbito do projeto #desafionijitv2020, que pretende levar os participantes a ler mais mangá, li "Adolf" de Osamu Tezuka.


Uma pesquisa básica no Google "disse-me" que Osamu Tezuka foi um desenhador de mangá bastante influente no Japão e que é lembrado como o "pai do mangá moderno".

Porque escolhi este título? Primeiro, estava a tentar encontrar um livro que fosse do ano ou década do meu nascimento (anos 80, mais concretamente 1983). E de entre os títulos que consegui encontrar, este foi aquele que me pareceu mais interessante.

Somos levados a 1936, a Berlim, durante os Jogos Olímpicos. Seguimos Sohei Toge, um jornalista japonês, enviado a Berlim, para a cobertura dos Jogos. A determinada altura, descobre que o irmão, um jovem estudante, desaparecera. Acaba por descobrir que Isao, o irmão, fora assassinado, por ter ligações a grupos comunistas.

Durante as investigações que decide levar a cabo, por conta própria, visto que todos os vestígios da presença do irmão em território alemão, desapareceram, Toge descobre que o irmão havia conseguido enviar uns documentos altamente confidenciais, para o Japão.

Já no Japão, iremos seguir dois dos "Adolf" do título: Adolf Kaufmann, filho de pai alemão (e membro do Partido Nazi) e de mãe japonesa e Adolf Kamil, um judeu alemão, que se considera mais japonês do que alemão. Os dois rapazes são bastante amigos, apesar do pai do 1.º tentar pôr um ponto final naquela relação.

(o 3.º Adolf é Hitler - como se poderá depreender).

Wolfgang Kaufmann, pai de Adolf Kaufmann, trabalha no Consulado alemão em Kobe (uma cidade perto de Kyoto e Osaka) e é encarregue de encontrar esses documentos, que poderão pôr em causa o líder nazi e fazer cair por terra todos os seus planos, caso fossem dados a conhecer.

Esta história é contada em cinco volumes que li em cerca de 8 dias, e faz-nos "viajar" entre a Alemanha, o Japão e Israel (já nos anos da guerra israelo-árabe). A saga termina em 1983 (ano da publicação desta obra).

Além do contexto histórico (apesar de haver uns ligeiros desviantes), este é um trabalho que aborda a nacionalidade, os conflitos étnicos, o racismo e o preconceito. Dá-nos também um "cheirinho" de literatura de espionagem e de guerra.

É uma história muito interessante e com uma narrativa muito bem conseguida. A linha que liga os três Adolf é espetacular: o jovem alemão-japonês que é o melhor amigo de um judeu, e que é enviado para as escolas da Juventude Hitleriana, que lida diretamente com o Führer e que tem lida com os dilemas internos a quem dar a sua lealdade - se ao partido ou ao amigo de infância...

Gostei muito e leva o meu selo de "Recomendado"!

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Lido: Flores, de Afonso Cruz

Nestes dias estranhos, não comprei livros físicos, mas sim ebooks e esta foi uma das minhas primeiras escolhas quando andava a vasculhar o site da Wook. Senti o chamamento, portanto. 

E não me arrependi, nadinha. Li este livro em dois dias. Sim, dois dias. A escrita é tão simples, na sua complexidade, e a história é tão terra-a-terra que, quando dei por mim, estava a terminar. A verdade é que o livro tem pouco mais de 270 páginas, mas, ainda assim, vamos virando as páginas quase sem querer. 

O nosso narrador-protagonista, Kevin, é um jornalista, casado e com uma filha, mas profundamente amargurado com a sua vida rotineira. Não raras vezes olha para a mulher e, com esforço, tenta lembrar-se do último beijo trocado com prazer. 

A sua vida acaba por se enlear com a de Ulme, o seu velho vizinho que após uma complicação de saúde perde a memória. 

Apesar de tudo, Kevin decide ajudar o velho vizinho a recuperar as suas memórias e isso leva-o a um exercício de auto-avaliação, ao mesmo tempo que vai descobrindo a pessoa que aquele homem foi nos seus tempos áureos, nos tempos da sua grande paixão por uma das irmãs Flores. 

O que gostei na escrita de Afonso Cruz foi a simplicidade de construção da narrativa. Algo tão simples como um chapéu colocado no local errado que, para um, provoca uma repugnância, enquanto que para outro, as notícias do dia são verdadeiro suplício. 

Para aquelas pessoas que gostam de sublinhar passagens dos livros vai um recado especial: quase todas as linhas desta obra merecem ser destacadas. Vou apenas dar dois exemplos de páginas que abri, neste momento, ao calhas: 

"As que chorei nesse dia em que atirei uma pá de cal para o buraco onde enterraram o pai tinham, além das partículas que o microscópio deteta, a tristeza imensa de não podermos partilhar mais uma garrafa de vinho. Uma coisa são lágrimas de cebola e outra são lágrimas de coração."

"Creio que, numa relação, o beijo terá sempre de manter a densidade do primeiro, a história de uma vida, todos os pores-do-sol, todas as palavras murmuradas no escuro, toda a certeza do amor. Mas já não é assim. Agora sabem às vacinas que tínhamos de dar à cadela (...)"

Vou ler mais de Afonso Cruz. Em formato físico ou ebook, quero explorar mais deste autor português. Façam o mesmo. Vá... vão lá. Eu espero!

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Lido: Azul Instantâneo, de Pedro Vale

Não sou uma mulher de poesia. Talvez, na adolescência, tenha tido uma veia que pulsava e me levava a rascunhar coisas parecidas com poemas, mas, à medida que fui crescendo, tudo se esfumou.

Recentemente, li Azul Instantâneo, de Pedro Vale. Fui contactada pelo autor que, gentilmente, me cedeu a sua obra em .pdf. Aguardei pela altura certa para o ler. Estava mais tranquila, já tínhamos entrado na nossa nova rotina doméstica, as rodas estavam oleadas e a funcionar bem... e um dos desafios da maratona Estações Literárias era ler um livro de poesia.

Os astros estavam, portanto, alinhados. E comecei a minha leitura.

Mas, ficou provado - por A mais B - que continuo a não ser uma mulher de poesia.

Houve alguns textos que gostei, outros não gostei e outros ainda que não atingi o sentido.

Mas nem só de poemas vive este livro. Pedro Vale publicou também alguns textos em prosa que provam a versatilidade de escrita. Há textos em inglês. Há textos longos e outros que se limitam a pouco mais do que duas ou três frases. Há textos que formam imagens... literalmente. E há poemas que são apenas poemas.


Para quem gosta de poesia, deixo-vos esta recomendação da poesia que, hoje, circula entre nós: Azul Instantâneo. O autor deu-me ainda a permissão para partilhar este que é o seu primeiro livro; portanto, caso alguém esteja interessado, pode contactar-me através do email capamole@gmail.com, e terei todo o gosto em encaminhar o .pdf.

Deixo também a página de Instagram do autor - https://www.instagram.com/valepedro216 - que poderão seguir e deixar-se levar pelas palavras de Pedro Vale.

domingo, 10 de maio de 2020

Lido: Úrsula, a maior, de Alice Vieira

Nesta fase das nossas vidas, não tenho comprado livros físicos. Foi uma opção que tomei, porque sou uma pessoa que já tive uma infecção cardíaca, tenho um esposo que, apesar de não ter doenças manhosas, tem pais que pertencem aos grupos de risco e tenho de pensar na saúde de todos nós. Diminuir o número de coisas a entrar, cá em casa, e que já tenham passado por uma dúzia de mãos antes de chegar até mim foi uma das decisões. E só entram as compras, porque temos de comer, senão...

Isto tudo para chegar onde... tenho comprado ebooks. Continuo portanto a contribuir para a compra de livros, mas num formato diferente. A Wook teve umas promoções jeitosas nos ebooks e comprei sete - acho eu. Um deles, Úrsula, a maior... as saudades que eu tinha de Alice Vieira eram assim uma coisa sem explicação. Não sei o que me deu, a sério.

Podia ter comprado outro qualquer, mas escolhi Úrsula, a maior, por me dar jeito para os projetos em que estou a participar, nomeadamente o "Vamos Chamar a Primavera", "Português é bom" e a maratona das Estações Literárias. Um 3 em 1 que soube à pré-adolescência.

Este livro tem um humor fantástico. Seguimos quase um ano na vida de Maria João, uma rapariga de 14 anos, de Lisboa, cuja mãe acolhe, lá em casa, a filha de uma amiga de infância. Maria João, filha de pais divorciados, não gosta de ter de partilhar o quarto, dado que, desde sempre, havia alguém naquele seu espaço.

A rapariga, Úrsula ou Xuxu como é chamada pela família, vem da província para estudar, e provém de uma família conservadora abastada. Xuxu mantém-se sempre discreta, só fala quando é diretamente interpelada, não ri alto, e, com 13 anos, já está de casamento acertado com Lau, um rapaz lá da terra.

Estas diferenças entre as duas raparigas são brutais, até porque Maria João é exuberante, "irreverente" como lhe chama a mãe, quer ser atriz do Teatro Nacional, tem uma cultura geral acima da média e uma liberdade de movimentos muito maior do que a ingénua e delicada Xuxu.

Maria João decide "transformar" Xuxu. Há medida que o tempo passa, Xuxu começa a sentir-se mais à vontade com Maria João e a família, dá-se, quase sem querer o desabrochar da menina que, decide por si mesma, soltar as amarras.

Uma leitura leve, descontraída, que me fez soltar umas boas gargalhadas - exatamente o que estava a precisar depois de mais de 50 dias de confinamento.

sábado, 9 de maio de 2020

Lido: O Labirinto dos Espíritos, de Carlos Ruiz Zafón

Vamos, todos juntos, fazer um minutinho de silêncio por respeito ao meu sentimento de orfandade, agora que terminei a saga do Cemitérios dos Livros Esquecidos. Comecei esta caminhada em dezembro de 2018, com A Sombra do Vento. Em junho de 2019, li O Jogo do Anjo, e um mês depois, O Prisioneiro do Céu. E agora, terminei. E sinto-me quase triste por abrir mão de personagens que me acompanharam durante cerca de 17 meses.

O que ficou provado foi que deixei passar demasiado tempo entre o 3.º e o 4.º volume... havia coisas que já não me lembrava com exactidão, e Zafón, como quem não quer a coisa, ainda foi atar pontas do 2.º livro que - aparentemente - não parecia estar tão relacionado com a ação principal.

O meu segundo calhamaço - 845 páginas - e que comecei a ler no dia 28 de abril. Li-o em cinco dias. (uma nota comparativa: li as 840 páginas de Dispara, eu já estou morto, em 10 dias). Simplesmente não queria parar de ler.

Daniel e Béa são pais de um menino, mas Daniel continua a ter pesadelos com a mãe e os mistérios que rodeiam a sua morte. Numa dessas noites mal-dormidas, Julián, o filho, vem ter ao quarto dos pais por também ter tido um pesadelo, com um livro "Ariadna e o Príncipe Escarlate", de Víctor Mataix.

E será este o nome que iremos seguir no derradeiro final da saga. Mauricio Valls, um dos grandes antagonistas do volume anterior, desaparece sem deixar rasto e Alicia Gris, uma mulher das trevase cujo passado já se cruzou com o Fermín, é chamada para resolver este desaparecimento. E é claro que o enredo se adensa e traz de volta outros mistérios por resolver, como será a morte de Isabella, ou a de David Martín, e de que forma é que Víctor Mataix poderá estar envolvido, ou não, e como é que o desaparecimento de Valls está relacionado, e quem é Alicia Gris?...

Numa altura em que tanto se fala do empoderamento feminino, a personagem Alicia Gris é tudo aquilo que as mulheres querem: a igualdade. Alicia não aceita desaforos, Alicia, apesar das suas condicionantes, é mais forte do que muitos homens juntos, Alicia luta, Alicia não se conforma, Alicia quer a sua independência plenamente... isto tudo na Espanha de Franco, não esqueceis!

Este livro também aborda uma situação que, nas última década e meia, tem ganho relevo: as crianças raptadas do franquismo. Sabe-se, desde 2008, que durante regime de Franco, milhares de crianças foram afastadas das suas famílias, algumas logo após o parto, e entregues como filhos biológicos a outras famílias. Após a Guerra Civil, era uma forma de repressão política, já que as crianças "alienadas" pertenciam a opositores do General, e eram entregues aos seus simpatizantes. Mas rapidamente se converteu num negócio organizado por médicos, padres e freiras.

"Segundo a Associação de Afectados por Adopções Irregulares (ANADIR), podem ter sido roubadas cerca de 300 mil crianças, em Espanha, entre as décadas de 50 e 90, e muitas delas nunca suspeitarão da sua verdadeira identidade biológica", in revista Visão - 06/06/2011

Apenas em 2018, começou o primeiro julgamento de um médico obstetra, acusado de falsificação de certidão de nascimento. Fim da parte informativa. 

Zafón atou todas as pontas soltas. Zafón deu a Julián, o filho de Daniel, a honra de fechar a história dos Sempere, de uma maneira que fiquei de lágrimas nos olhos. É que parecendo que não, esta gente já era família.

Adorei esta leitura. Adorei a escrita de Zafón. Não sei no que ele está a trabalhar de momento, mas se for numa coisa parecida, só lhe tenho a dizer "toma mi dinero!!!"

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Lido: Democracia, de Alecos Papadatos, Abraham Kawa e Annie Di Donna

Democracia:
Alecos Papadatos (conceito, história e direção de arte e desenho);
Abraham Kawa (história e argumento) e
Annie Di Donna (colorização)

Senti necessidade de especificar os papéis de cada um dos intervenientes deste livro. Este "Democracia" está tão bem construído que se "nota" o sangue, suor e lágrimas de cada um dos artistas nesta graphic novel, editada pela Bertrand.

Nestes dias, passei do conflito israelo-árabe, passei para a luta contra as adições e acabei por "aterrar" na "casa" da Democracia, na Grécia Antiga. As minhas leituras estão cada vez mais a resvalar para um enorme cinzento sem género...

Antes de passar à descrição do livro e à minha humilde opinião, destaco a introdução assinada por Raquel Varela, historiadora, investigadora e professora universitária, sobre a sociedade grega, e sobre a introdução e evolução dos direitos políticos e económicos dos cidadãos, que como sabemos, eram os homens com mais de 21 anos, que fossem atenienses e filhos de pais atenienses - um grupo bastante selecto, portanto. Mulheres, escravos e estrangeiros não tinham qualquer poder de decisão, opinião, ou discussão, por exemplo. Bons velhos tempos (#sóquenão)!!

Somos lentamente introduzidos na narrativa por um texto que nos contextualiza em termos de tempo e espaço. Estamos em 490 a.C. e Atenas está em guerra. Dário, o rei persa quer conquistar os estados gregos e lançou, através do Egeu, uma frota poderosíssima, conduzida por Hípias, um tirano exilado de Atenas.

Os gregos estão acampados nas imediações do local de desembarque dos persas, e observam as movimentações do inimigo. Leandro e Térsipo (Maratona... diz-vos alguma coisa?) são dois dos gregos que estão de vigia e será através dos olhos de Leandro que vamos saber quais os acontecimentos que os levou até ali.

Leandro não é uma figura conhecida da época, mas irá "contracenar" com vários nomes sonantes da Grécia Antiga. Há medida que a narração de Leandro avança, outros soldados se vão chegando a ele, para ouvir uma história conhecida de todos, mas que na voz do rapaz ganha uma profundidade maior, porque envolve corrupção ao mais alto nível entre os políticos da altura.

No final do livro, somos presenteados com mais 26 páginas com um resumo dos principais "atores", explicação de expressões gregas e alguns momentos mais importantes da caminhada rumo à vitória ateniense em Maratona.

A arte do livro é de cair para o lado. O nível de pormenor é muito muito interessante... conseguimos, por exemplo, acompanhar o amadurecimento e crescimento de Leandro desde jovem adolescente até a jovem adulto, cansado de lutar e a quem a vida não sorriu particularmente.

O livro foi lançado em Portugal, em 2016, no Amadora BD.

Falta-me apenas acrescentar que comprei este livro poucas semanas antes da pandemia, e que o li para o projeto "Vamos chamar a Primavera" da Maria João Diogo e da Maria João Covas, que está a decorrer desde março.


quinta-feira, 7 de maio de 2020

Lido: Que Nós Estamos Aqui, de João Tordo

Depois de um livro tão complexo como o anterior, precisava de ler qualquer coisa mais leve. Acabou apenas por ser leve no número de páginas: de 840 passei para um livro com pouco mais de 70.

A minha escolha recaiu sobre um dos títulos da coleção "Retrato da Fundação", da Fundação Francisco Manuel dos Santos, assinado por João Tordo: "Que nós estamos aqui - 12 Passos para a recuperação".

Neste livro, o autor conduziu várias entrevistas a dependentes - de drogas, álcool, e outras dependências - e fez um incrível trabalho de pesquisa para elaborar este(s) texto(s). Explica como funciona o Programa dos 12 Passos, que tem origem nos Estados Unidos da América, com o nascimento dos Alcoólicos Anónimos.

Trata-se obviamente de um livro de não ficção. Fiquei ligeiramente desiludida, porque esperava que houvesse um maior enfoque em situações reais, e que nos fossem fornecidos mais dados e mais números à escala nacional (a culpa é da jornalista dentro de mim!!!), do que tanta contextualização com recurso às origens americanas do Programa. Compreendo o objetivo, mas esperava uma coisa diferente.

No entanto, trata-se de um fiel retrato do comportamento humano, perante a adição.

Incluí esta leitura na lista de livros da Maratona Estações Literárias, na categoria "livro com menos de 100 páginas".

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Lido: Dispara, eu já estou morto, de Julia Navarro

Terminado o "Vasto Mar de Sargaços", comecei a ler "Dispara, eu já estou morto" de Julia Navarro, para o projeto #enabrilleemosenespañol que a Ana Lopes promoveu durante o mês de abril. Aproveitei esta leitura para marcar mais um "check" na minha lista de bingo da maratona Estações Literárias, na categoria "autora europeia".

Nunca tinha lido nada desta autora madrilena e fiquei agradavelmente surpreendida, porque, a ausência de expetativas proporcionou-me uma leitura que, não sendo fácil, foi verdadeiramente educativa.

Com frequência sublinho a importância educativa dos livros, porque, na minha opinião, se retirar algo novo de um livro - seja uma informação, a confirmação de algo, ou o contrário... já dou todo aquele tempo investido como uma vitória pessoal. E convenhamos que um calhamaço de 840 páginas consome muito tempo.

Foram cerca de 13 horas, durante 10 dias. Não li mais nada durante este tempo, porque a história - como já irei falar em seguida - era demasiado complexa para me aventurar com outras viagens.

Marian, uma funcionária de uma ONG, vai entrevistar Ezequiel Zucker (um senhor judeu de uma idade já bastante avançada) relativamente às políticas de assentamentos - o estado dos deslocados seja em situação de conflito ou qualquer outra razão. Estamos em Jerusalém, nos dias de hoje, e este encontro vai-nos levar por uma incrível jornada que tem início na Polónia, passa pela Rússia, por França... até chegar ao território que hoje é Israel.

Isaac Zucker e o seu filho, Samuel, são as primeiras personagens a serem introduzidas na narrativa de Ezequiel que recua aos finais do século XIX. Devido às perseguições de que os judeus são alvo no Império Russo, e após a morte do seu pai, Samuel viaja para a Terra Prometida e ali conhece outros judeus nas mesmas circunstâncias, compram terras juntos e passam a viver perto de uma família árabe, os Ziad.

Tudo parece estar a correr bem... até que deixa de correr. Este livro gira completamente em torno do conflito israelo-árabe até aos dias de hoje. Fiquei tão fascinada por estas personagens, que sentia profundamente cada dor, chorei cada uma das mortes e alegrei-me com os nascimentos. Aprendi tanto, mas tanto com este livro que mal o tinha terminado e já planeava uma releitura, com medo que me tivessem escapado pormenores.

O título parece, à primeira vista, estranho. Mas, será preciso chegar às últimas páginas para o entender. E aí, tudo fará sentido. Temos histórias de amor, temos histórias de amizade e companheirismo, de solidariedade, de paz, de ódio, de conflito, de guerra, de ideologias... temos História dentro da história.

Adorei este livro - escusado será dizer. Foram 5 estrelas, de caras. Senti-me preenchida com este livro, e espero, muito honestamente, que lhe dêem uma oportunidade. O tamanho é ligeiramente assustador, compreendo perfeitamente. E quem não tiver "estaleca" poderá recuar perante 840 páginas, mas vale cada minuto.