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sábado, 28 de novembro de 2020

Lido: O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago

A 16 de novembro, assinalou-se a data de nascimento de José Saramago. E a Ana Lopes do canal  O Sabor dos Meus Livros decidiu arrancar com o projeto Voltar a Saramago (#voltaraSaramago), como forma de homenagem ao nosso único Nobel da Literatura. 

Neste mês, o desafio era ler um (ou mais) livro(s) de Saramago. Tinha dois cá em casa ainda por ler: O Evangelho segundo Jesus Cristo e Caim. Optei pelo primeiro. Esta leitura serviu também para a maratona Estações Literárias (categoria "livros com mais de 400 páginas") e para os projetos "Luz de Outono" (letra O) e "Português é Bom" (letra O). E voltar a Saramago é voltar a um local que me deixa feliz - o tema do Clube de Leitura a que pertenço tinha como tema de novembro: livro que nos deixa confortável. Na mouche!

Que livro, senhores... que... livro!!! Spoiler alert: Jesus morre no fim. Caso não tenham conhecimento disso. 

O Evangelho segundo Jesus Cristo é um "retelling" da história que conhecemos, mas com umas "ligeiras" diferenças. Por exemplo: Maria, a mãe de Jesus, já não era tão virgem quanto nos diziam, Maria Magdala e Jesus viviam como casal, Lázaro não foi ressuscitado, foi Jesus quem pediu a Judas para dizer aos romanos onde o encontrar, um Diabo que não era assim tão diabólico quanto isso... entre outras pequenas liberdades a que Saramago se permitiu, naquele seu estilo tão próprio.

Escrito em 1991, foi, obviamente, uma escandaleira neste nosso Portugal cristão e conservador. Mas a verdade é que o livro, ficciona - e sublinho o "ficciona"!!! - uma parte desconhecida de Jesus: a adolescência e a sua vida enquanto jovem adulto. Daquilo que é conhecido, Jesus foi criança e depois, surge, na casa dos 30 anos, sem sabermos o que se passou nesse intervalo de tempo. E o que Saramago faz é dar corpo a um rapazinho que se fez homem. E é nessa humanidade que o autor insiste. 

Como ateu que era, Saramago foi então o alvo da Igreja Católica, por ter ousado escrever sobre Jesus. Mas, a verdade, é que o livro em nada difere, por exemplo, de O Código Da Vinci. Dan Brown também especulou, também fez um exercício de imaginação para preencher espaços em branco... 

Gostei muito desta leitura. Saramago tinha um sentido de humor extraordinário e uma forma de escrita muito inteligente. As conversas que envolvem o Diabo são muito interessantes, na medida em que, no nosso imaginário, ele seria mau, perverso e corrupto; no entanto, aqui, é ele quem tenta "meter água na fervura" nas intenções de Deus. No fundo, é só um tipo que não se chateia com grande coisa, e só quer que não o macem, e o deixem sossegado com as suas ovelhas. 

Não sei se iria ser capaz de destacar um momento-chave deste livro, porque, no fundo, gostei de tudo. O próprio tom com que a história é narrada, como se Saramago estivesse ao nosso lado. Não é simples de ler, como quase todos os livros dele. É um livro que não vai ser lido num dia ou dois - levei precisamente 11 dias, e é um livro que precisa de ficar em repouso depois de ser lido para maturar e o absorvermos. 

O Evangelho segundo Jesus Cristo só confirmou José Saramago como o meu autor nacional preferido. Não há nenhum escritor português de quem tantos livros já tenha lido. 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Lido: A Teoria de Tudo, de Jane Hawking

Aviso à navegação: tenho sentimentos (muito!!!) contraditórios acerca deste livro. Nele, vamos seguir a história de Jane e Stephen Hawking, sob a perspetiva dela. Como se conheceram e começaram a namorar, até ao casamento e aos filhos, as dificuldades, a fama e as dificuldades depois da fama... e, se por um lado, gostei imenso de saber mais sobre a vida daquele que viria ser considerado um dos maiores génios da Humanidade, por outro lado, fiquei com os nervos em frangalhos por causa da falta de reconhecimento pela dedicação dela. 

Jane já conhecia Stephen, de vista, da escola. Só quando estavam nos seus 20's é que foram, oficialmente, apresentados. Jane, a personalização da timidez, desenvolveu uma paixão pelo jovem Stephen, quando a doença já havia começado a manifestar-se. 

Apesar de lhe ter sido comunicado que a esperança de vida de Stephen seria curta, Jane aceitou casar-se com ele, ciente que poderia vir a ficar viúva. Contrariando todas as expetativas, tiveram 25 anos de vida em comum e três filhos. 

Nessas mais de duas décadas, Jane foi tudo para Stephen: esposa, companheira, secretária, contabilista, gestora, enfermeira, cuidadora... sem nunca se queixar. Dela, naquele tempo, esperava-se que fosse a esposa modelo. Os desabafos eram relevados para segundo e terceiro planos. Foi acusada, pela família dele, de ser egoísta e de traidora. E, mesmo assim, manteve-se firme, até ao dia em que ele a deixou por uma enfermeira. 

Quanto ao conteúdo: houve partes que passei à frente. Momentos em que Jane descrevia, exaustivamente, teorias e estudos de Stephen, ou explicações que recebia de outros físicos... se eu quisesse saber das teorias dele, lia os livros dele.

As partes das memórias, gostei, sim senhora. As partes teóricas, não gostei. Gostei do início da relação de ambos e da forma como Jane falava da admiração que sentia pelas conquistas de Stephen. Não gostei da forma como a família dele a tratava. Gostei da coragem de se manter firme. Não gostei da forma quase subalterna com que se deixava tratar, mesmo por ele. É todo um conjunto de coisinhas que me encanitam. Era a vida deles, são as memórias dela... e sei, claro, que cada moeda tem dois lados, mas esta foi a que ficou perpetuada em livro (e filme). 

Esta leitura foi feita para a maratona Estações Literárias (categoria "livro que se passe na Universidade") e projeto "Luz de Outono" (letra T). 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Lido: O Gato Preto, de Edgar Allan Poe

 No mês de outubro, o tema da leitura do Clube a que pertenço era "terror / horror", e uma das categorias da maratona Estações Literárias era semelhante. Dado isso, peguei num dos poucos títulos que tenho nas prateleiras desses géneros - O Gato Preto, de Poe, em BD. 

O livro é constituído por 8 contos / short stories: 

- O gato preto;

- Manuscrito encontrado numa garrafa;

- O barril de Amontillado;

- O enterro prematuro;

- O retrato oval;

- A verdade no caso do sr. Valdemar;

- Hop-Frog; 

e

- O coração revelador. 

E devo dizer que o senhor tinha uma valente fixação por colocar pessoas a morrer da pior forma possível: emparedados ou enterrados vivos. Por se tratar de um livro "aos quadradinhos" retirou, em parte, a componente terrífica do livro, mas tornou-a visual, o que é bom dado que assim não perdi sono com o cérebro a tentar colocar em imagens aquilo que iria ler. 

Gostei bastante, devo confessar. Não estava à espera de apreciar tanto quanto gostei, porque, normalmente, o horror / terror é, para mim, terreno inexplorado e pantanoso, mas talvez o facto de ser acompanhado pela imagem me tivesse ajudado. 

Esta edição é antiquíssima. Comprei-a há imenso tempo, penso que, numa Feira do Livro em Leiria, e tendo em conta que já não vivo lá há mais de 10 anos... é só fazer as contas! 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Lido: Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira

 Podia contar aqui uma história elaboradíssima sobre como cheguei a este livro, mas estaria a mentir. A verdade é que procurei, propositadamente, um livro que se passasse no Outono, uma das categorias da maratona Estações Literárias, e que, ao mesmo tempo, servisse para o projeto Luz de Outono. E enfiei na cabeça que tinha de ser um autor português - saberá lá Deus explicar porquê esta minha teimosia!!! 

Parecia a Penelope do Criminal Minds a cruzar categorias no computador. E a verdade é que na lotaria calhou Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira. Sabia rigorosamente ZERO desta obra. E foi uma agradabilíssima surpresa. 

Álvaro Silvestre é um homem de posses e encontra-se casado com Maria dos Prazeres, filha de um fidalgo. O casamento havia sido combinado, dado que a família de Maria dos Prazeres estava na ruína. Não era portanto em feliz enlace. Mas isto haveremos de saber umas páginas adiante, já que o livro abre com Álvaro Silvestre a entrar na redação do jornal da terra, insistindo em publicar uma nota de culpa, sua culpa, sobre todos os erros cometidos na sua vida, instigado pela esposa. Maria dos Prazeres surge, de repente, e alega que o marido estará perturbado e voltam para casa. 

Maria dos Prazeres deita o olho ao cocheiro e isso não lhe passa despercebido. Numa noite de bebedeira, Álvaro sai de casa, e ouve o mesmo cocheiro e Clara, a filha do oleiro, deitados no palheiro. Ouve então o cocheiro a gabar-se dos olhares da patroa, e os dois amantes a falar na gravidez que a rapariga tem vindo a esconder de todos. 

No dia seguinte, conta tudo ao pai de Clara, como forma de vingança. E é, nesse instante, que a bola de neve dos acontecimentos começa a rolar, e a crescer até ao desastre final. 

Não conhecia o autor, nem a obra, como disse anteriormente. A vida de aldeiazinha de interior, as vivências de aparências, as regras sociais, a pobreza, os rigores da terra, as desigualdades, a iliteracia... isto era o Portugal no regime salazarista (e ainda fico surpresa quando oiço "No tempo de Salazar é que era..."). E é esse o Portugal aqui descrito. 

Gostei imenso desta leitura. Não é fácil - trata-se de um livro bastante complexo, e é necessário ter alguma paciência para conseguir lê-lo. Às vezes, o autor usa de uma linguagem mais intrincada, e conversas entre as personagens que podem ser complicadas de seguir. Houve alturas que tive de voltar atrás e reler passagens inteiras para conseguir prosseguir, mas valeu cada instante. 

***

Um pouco de contexto retirado de https://ensina.rtp.pt/

"Nascido na cidade brasileira de Belém do Pará, em 1921, Carlos de Oliveira vem com dois anos viver para Nossa Senhora Das Febres, no norte de Portugal e, mais tarde, vai estudar para Coimbra, onde se destaca “entre aqueles que não aceitam que a literatura viva debaixo de um regime ditatorial de um país oprimido”. Dentro de si tem os camponeses pobres da sua aldeia, as histórias de desigualdades, os números impensáveis da mortalidade infantil e a crescente onda de imigração. São estes anos em Febres que, como diz um dia, tatuaram nele uma consciência social.

Quer na prosa como na poesia, o autor inscreve essa marca que faz dele um dos pioneiros do neorrealismo em Portugal ao lado de Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes e Mário Dionísio. Como poeta e ficcionista, Carlos de Oliveira publica dezenas de livros; obras marcantes como “Descida aos infernos”, “Micropaisagem”, “Finisterra: paisagem e povoamento” e este “Uma abelha da Chuva”, de que trata o documentário que aqui trazemos, ilustrado com imagens da sua adaptação cinematográfica por Fernando Lopes."

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Lido: A Última Noite em Lisboa, de Sérgio Luís de Carvalho

 No início da pandemia, lá para Março/Abril, a editora Clube do Autor ofereceu um ebook a quem o solicitasse, via mail, de um conjunto de títulos. Euzinha, como estou interessada em explorar a escrita de Sérgio Luís de Carvalho, optei por este A Última Noite em Lisboa - comprovando-se assim que é um dos meus autores favoritos no género ficção histórica.

Tal como disse no post anterior, o nosso protagonista é Henrique, um jovem jornalista que trabalha numa revista portuguesa, simpatizante nazi. Estamos em Lisboa, e a cidade fervilha com as notícias vindas da guerra. Henrique conhece então a sua vizinha, Charlotte, uma refugiada austríaca, com um passado (e presente) muito misterioso(s). 

Charlotte torna-se amiga de Henrique e de Maria Carolina, namorada do rapaz, e abre-lhes os horizontes que a sociedade portuguesa de então teima em esconder-lhes. Mas, não podemos esquecer que o ambiente em que Henrique trabalha e as pressões constantes para se afirmar fiel aos valores defendidos pela sua entidade patronal. Existe, portanto, um enorme conflito. 

Este é o ponto de partida de um livro bem escrito, muito interessante e que nos dá uma perspetiva de uma fatia da sociedade portuguesa que ansiava pela vitória nazi naquela que foi a II.ª Guerra Mundial.

O tema, só de si, já me fascina. E, durante todo o livro, imaginava as cenas que ia lendo, a preto-e-branco como no Casablanca (filme que, por acaso, o nosso trio vai assistir na estreia em Portugal). Ou talvez fosse o facto de Henrique ser um ávido leitor de policiais noir e fã de Sam Spade - daí a ligação ao livro O Homem Sombra de Dashiell Hammett. Mas, ao mesmo tempo, imagino os locais frequentados pelo refugiados ricos e pelos espiões como sendo locais de música e cor. A ostentação do dinheiro estrangeiro vs. o provincianismo de um Portugal dos anos 40, que ainda assim teve a sorte de ser um espectador de um dos conflitos mais letais da História. 

Sérgio Luís de Carvalho é - ou pelo menos, suponho que seja - um investigador fantástico, porque tanto escreve um livro destes que alude à II.ª Guerra Mundial, como escreve um livro cuja ação se passa no século XVI, e ambos com uma riqueza de pormenores que quase diríamos que eles esteve lá para ver... vou continuar, portanto, a explorar este autor. A Última Noite em Lisboa é o 4.º livro que leio dele, e esta leitura foi incluída na lista da maratona Estações Literárias, na categoria "género favorito" e no projeto "Luz de Outono" (letra "U"). 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Lido: O Homem Sombra, de Dashiell Hammett

Nota prévia: este post tem estado nos rascunhos há precisamente um mês! Nada como uma boa pandemia para nos deixar desmotivados!

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Ahhh, os bons e velhos policiais noir. Que saudades! Não há nada melhor do que um bom detetive que se está nas tintas (ex-detetive, para ser justa). 

Nick Charles aposentou-se da vida de detetive. Casou e assumiu a administração da empresa da família da (inteligentíssima) esposa, Nora. Antes do Natal, o casal vai a Nova Iorque e lá encontra uma jovem, filha de um antigo cliente de Nick, que está desaparecido. Pouco depois, é encontrado o corpo da secretária do desaparecido, e todas as pistas apontam para ele.

Mulheres bonitas, hotéis elegantes, mentiras, glamour... é disto (e muito mais) que é feito este livro. E foi um prazer enorme.

O escritor Dashiell Hammett era considerado o pai do romance policial americano, e foi um dos pioneiros da literatura noir. Sobre este livro, foi publicado nos anos 30 (do século XX, claro!) em forma de folhetins. E é engraçado que, sem o saber, fiz uma ligação com o livro que li a seguir - Dashiell foi também autor de "O Falcão de Malta" (reeditado na coleção Vampiro e que mora nas minhas estantes), um dos livros que o protagonista de "A Última Noite em Lisboa" lê avidamente, na Lisboa dos anos 40; Henrique é, aliás, fã de Sam Spade, o detetive desta obra. Mas isto será tema para outro post... 

Para já, fica apenas a dica - se não estão com vontade de ler aqueles thrillers pesadões, macabros e doentios, mas se lhes apetece algo "by the book", basta experimentar quem inventou a receita. O Homem Sombra dá-nos aquele requinte dos anos 30, com a esperteza dos detetives "noir". Este livro foi comprado na Feira do Livro de Lisboa há três anos, e é uma publicação da Porto Editora. 

Encaixei esta leitura na maratona Estações Literárias, na categoria "Policial ou Thriller".