Páginas

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Lido: Vozes de Chernobyl, de Svetlana Alexievich

À semelhança do que li em A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, Svetlana Alexievich voltou a procurar aqueles que tinham algo para contar.

A autora, mais do que escriba, mais do que jornalista, mais do que escritora, saber ler as pessoas e fazê-las falar. Vozes de Chernobyl foi publicado 11 anos após o desastre nuclear, e agora ganhou novo fôlego com a série da HBO (que ainda não vi).

(é tudo tão horrível que, talvez esta venha a ser o texto mais pequeno que irei alguma vez publicar neste blogue. Ou não. Neste ponto ainda não sei. Sou muito orgânica, e raramente apago o que escrevi antes e publico "à primeira")

Há meses quando li os relatos das mulheres e o seu papel na guerra, disse que tinha sido um livro que não me tinha dado prazer algum.E este acompanha essa minha primeira opinião. Especialmente os relatos das mulheres que perderam filhos, ou os testemunhos das crianças. Esses doeram-me profundamente. Desde o 1.º dia em que soube que estava grávida, a minha sensibilidade para estes temas aumentou a níveis impensáveis.

O estilo da autora é único. O que faz é pegar na sua experiência de jornalista e compor textos com base em entrevistas. Durante meses, procura as pessoas, passa tempo com elas, conversa com elas, ganha a sua confiança e entrevista-as, fá-las falarem mesmo daquilo que pretendem esquecer. Os livros de Svetlana Alexievich são retratos, são mini-documentários em formato escrito, são a memória de quem, inevitavelmente, irá morrer... mas essas palavras escritas irão ficar para sempre. E esse é o grande poder. 

* * *

Muito raramente um país está preparado para lidar com tragédias. Sejam atentados, sejam acidentes industriais, sejam incêndios, inundações, terramotos, furacões... you name it. Ninguém está preparado para lidar com isso, por melhor preparado que esteja. Mas, a forma como a URSS lidou com este drama é inenarrável.
Desde esconder informações, desde não equipar os "voluntários" (meto entre aspas, porque estes supostos voluntários, eram convocados para comparecer), desde acusar supostos espiões de sabotagem... correu tudo mal desde o 1.º minuto. Lidar com vidas não é, nem nunca deverá ser, política. Revoltante, no mínimo.

De Svetlana, em Portugal, existem mais três livros e eu não sei se tenho coragem para voltar a ela.

domingo, 22 de dezembro de 2019

Lido: A Espada do Destino, de Andrzej Sapkowski - COM SPOILERS

Um dos meus objetivos para este mês está cumprido: terminar A Espada do Destino - 2.º volume da saga The Witcher do polaco Andrzej Sapkowski.

Torna-se muito complicado falar de uma série de livros, sem revelar spoilers. Portanto, um bocadinho lá mais para a frente, vou falar da trama do livro, mas avisarei antecipadamente.

* * *

Havia lido o 1.º volume (O Terceiro Desejo), em agosto, durante as férias. Tinha adorado e comprámos o 2.º volume quase imediatamente. Terminei-o há três dias, mas entretanto o pequenino cá de casa começou com febre, e o tempo para o post, escapou-se por entre os dedos.

Continuamos a seguir as aventuras de Geralt, o nosso "witcher", caçador de criaturas e monstros. Logo, neste livro, Geralt conhece um homem algo extravagante que o convida a juntar-se a ele. Seguindo o seu instinto de "não tenho nada melhor para fazer agora", Geralt aceita o convite. Entretanto, ouvem falar de uma grande caça a um dragão, e levados pela curiosidade, seguem a caravana. Até que surge o nome de "Yennefer", a feiticeira que arrebatou Geralt. E é nesse momento que o seu interesse nessa caçada desperta.

Tal como o nome do livro bem apresenta, o "destino" é uma constante neste livro. O seu papel é tremendo. E é esse mesmo destino que irá juntar Geralt e a princesa Ciri, que conhecemos de ouvir falar no primeiro livro.

Antes de passar aos spoilers, quero dizer que gostei mais deste livro do que do 1.º. Em O Terceiro Desejo conhecemos muito de Geralt, mas mais através de "short stories"; o livro é, basicamente, um conjunto de contos de situações que Geralt enfrentou, ou histórias que são contadas por terceiros.
Neste volume, temos uma narrativa mais consistente, mais com cabeça-tronco-e-membros, apesar de Sapkowski continuar a jogar com o tempo: anda para a frente e para trás e "brinca" com as memórias de Geralt, oferecendo-as ao leitor como se jogasse à sueca, e guardasse o trunfo para o fim da partida.

5 estrelas, claro, de caras. A fantasia está a tornar-se, cada vez mais, um género em que irei apostar em 2020. E The Witcher está, obviamente, nos meus planos. Sobre a série, já vi o 1.º episódio e não estou nada desiludida. E o Henry Cavill está muito bem - ajuda bastante ele ser um fã do género e de Geralt em particular.

- SPOILERS a partir daqui - 

Para quem como eu, está a começar a ler agora esta saga, só neste momento nos apercebemos que algo mais grave do que a "simples" presença de monstros fantásticos está prestes a acontecer: o império de Nilfgaard está a invadir vários reinos do Sul.

Geralt esteve bastante doente após o encontro com uma criatura que o fere com gravidade, e está completamente alheado da situação. Durante este tempo, é sua mãe (uma feiticeira) quem cuida dele. É a 1.ª vez que se reencontram desde a infância de Geralt, e é um encontro bastante tocante.
Apenas quando descobre que um dos reinos já destruídos foi Cintra é que a sua preocupação se manifesta. Recorde-se que, no 1.º volume, ele invoca a "Lei da Supresa" após levantar uma maldição: ele reclama algo inesperado. Pavetta, a princesa de Cintra, sem que ninguém saiba, está grávida. E é Ciri, a princesinha por nascer, que irá estar na linha do destino de Geralt.

Após 6 anos, tal como combinado, Geralt dirige-se a Cintra para reclamar a sua criança (que ele, na altura ainda não sabia que era uma menina), para educar na arte de bruxo. Calanthe, a rainha, recusa e aponta para um grupo de crianças: Geralt poderá levar qualquer uma delas, se for o herdeiro de Cintra, tanto melhor... Geralt volta atrás, e recusa pegar em qualquer uma delas.

Anos mais tarde, quando Cintra cai, Calanthe quase a morrer, diz à neta, a princesa Ciri, que deverá procurar Geralt de Rívia, que ele é o seu destino.

Após recuperar dos tais ferimentos, de conhecer a sua mãe, de saber da queda de Cintra, Geralt que já havia conhecido, anteriormente, Ciri em outras circunstâncias, está mortificado por esta catadupa de informações. Até que, nos parágrafos finais, reencontra a princesa que manifesta querer segui-lo.

Mais do que tudo, agora quero ver como é que esta relação vai crescer. Quem chegou até aqui e está ao mesmo "nível" que eu: o que esperam do 3.º volume?

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O que vou ler até ao fim do ano?

Acho que já referi que, após o falecimento do meu pai, entrei numa onda de não me apetecer muito ler. Desde há um mês, só terminei 6 livros - 4 eram graphic novels. Ao longo do ano, lia, em média 7,81 livros (fiz as contas) por mês. Portanto, 6 livros num mês e meio (não esquecer que 4 foram em formato BD!) é um número algo baixo.

Neste mês de dezembro, que já vai a meio, gostava de terminar Vozes de Chernobyl (ebook) que comecei ainda no mês passado. Estou, sensivelmente, a meio do livro.
Também quero terminar o 2.º volume da saga The Witcher, A Espada do Destino.
Como não tinha já demasiada sarna para me coçar, trouxe ainda da Biblioteca, mais um livro de Carlos Ruis Zafón.


E ler ainda as duas graphic novels que ainda ali estão desde o Amadora BD.


Meto as minhas metas baixinhas, porque assim a possibilidade de as alcançar é um pouco maior. Aprendi que o melhor é não fazer promessas (diz a pessoa que no início do ano, definiu 13 leituras para fazer, e ainda assim deixou por ler 5). 


terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Lido: Joker e Frango com Ameixas

Joker, de Brian Azzarello e Lee Bermejo
e
Frango com Ameixas, de Marjane Satrapi

Decidi fazer um post único com as duas graphic novels que li, mais precisamente há uma semana, e que, vergonhosamente ainda não tinham sido alvo de post no blog.

 
Joker foi a primeira. É uma das compras do Amadora BD (ainda ali tenho mais duas que deverão ser lidas até ao fim do ano). Este livro foi comprado no seguimento do filme, mas, não tem nada a ver. Não se julgue que é o livro do filme, porque não é. Este álbum inclui duas histórias "Piada Mortal" e "Joker". Em ambas, assistimos ao escalar de loucura desta personagem. Na primeira, Joker foge do Arkham Asylum e consegue raptar o Comissário Gordon. Aqui temos acesso a uma das muitas versões da história de como Joker se tornou Joker. 

Na segunda história, Joker não foge do manicómio, mas é libertado. A ação é nos contada por Jonny Frost, um "associado" de um "associado" de Joker que foi incumbido de o ir buscar. E, nesse mesmo dia, decide vingar-se de todos aqueles que julga que o atraiçoaram durante o seu tempo fechado. 

Mas, mais do que o enredo, a arte deu cabo de mim. A minha área é Letras, percebo "zero" de Artes, mas fiquei louca com os detalhes, com as cores, com as sombras (essenciais ao retrato de Gotham City). Vale cada página. 

Há poucos dias, comprei na FNAC, o Frango com Ameixas da Marjane Satrapi, autora de Persépolis (que não li, mas tenho o filme). Este livro é substancialmente diferente do anterior. Neste, já não seguimos a nenhum momento da vida de Marjane, mas sim de um tio-avô. 

Nasser Ali Khan era tocador de tar, um instrumento de cordas tradicional das zonas de Irão, Azerbeijão, Geórgia e Arménia. Um dia, depois de uma discussão com a mulher, ela parte-lhe o seu tar. Nasser, inicialmente, tenta encontrar um instrumento substituto, até que desiste e deixa-se morrer, de desgosto. Ao longo dos dias, Nasser vai lembrando todas as pessoas e o seu percurso desde jovem, as frustrações, as pequenas alegrias... 

O registo gráfico é o mesmo que já conhecemos: a preto-e-branco. É uma história muito simples, mas muito interessante. Mantém aquele caráter biográfico que acompanha também alguns momentos da história de Teerão no final da década de 50. 

Tal como Persépolis, também este Frango com Ameixas foi adaptado ao cinema (informação adicional: está disponível no Youtube, dobrado em português do Brasil), com Maria de Medeiros a protagonizar o papel da esposa de Nasser Ali. 

Na minha opinião, está uns pontos abaixo de Persépolis, mas é uma obra muito muito interessante, e que merece que lhe prestem a devida atenção. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Lido: O Bom Inverno, de João Tordo

Nunca tinha lido nada de João Tordo. Imagine-se que nem sabia que é filho do Fernando Tordo (o
cantor... informação para a malta mais nova que, eventualmente, leia este texto). O meu desconhecimento chegada a este nível. Adiante. O importante nesta minha introdução é que nunca tinha lido nada dele.

Já tinha ouvido algumas coisas, mas nunca me tinha sentido impelida a ler alguma das suas obras. Recentemente, lançou um novo livro que me chamou a atenção - "A noite em que o Verão acabou". E a verdade é que o nome "João Tordo" já anda no mercado há bastante tempo, não é uma moda de Verão.

Numa ida à biblioteca com o Henrique, apesar de ter dito que não iria trazer nenhum para mim, porque tenho imensos ainda por ler, em casa, encontrei "O Bom Inverno". O que sabia do livro? Nada. Zero. Trouxe-o na mesma, sem ler sequer a sinopse. Podia ter corrido mal.

Mas correu bem. A leitura foi mesmo muito rápida, porque o livro leva-nos a isso mesmo. A história prende o leitor de forma a querermos descobrir o final. Apesar de "A noite em que o Verão acabou" estar a ser apresentado como o 1.º thriller de João Tordo, este "O Bom Inverno" tem muitas características de um livro desse género.

Temos um escritor a entrar num período decadente. Não consegue escrever. Teve um acidente e ficou muito magoado - inspirado pelo Doctor House, comprou inclusivamente uma muleta, para não coxear - e a namorada terminou com ele.
Numa altura em que a negritude lhe está a chegar em velocidade cruzeiro, é convidado para integrar o painel de uma conferência em Budapeste, com outros escritores europeus.

Lá, conhece um jovem escritor italiano que o convence a ir até Itália, à mansão de um poderoso produtor de cinema, longe de olhares indiscretos, por causa de um negócio que lhe poderá ser vantajoso.

Depois de uma noite agitada, com álcool e comprimidos para as dores, e com um grupo inusitado de personagens que aguardam a chegada do anfitrião, este é encontrado morto na manhã seguinte. Um dos empregados isola todos os envolvidos na mansão que, tal como eu já disse, fica localizada numa área longínqua. O objetivo é descobrir o assassino de Don Metzger, o referido produtor. E, tal como se espera, ninguém é exatamente o que parece ser.

Foi uma leitura muito interessante. E, genuinamente, fiquei com vontade de ler mais de João Tordo. É um livro que nos faz avaliar as escolhas que fazemos. O nosso protagonista podia não ter ido a Budapeste, mas precisava do dinheiro. E foi. Podia ter ignorado o escritor italiano. Não se identificava com ele, mas como estava intrigado com as suas companheiras. E, convenhamos: foi vencido pelo cansaço. Podia não tomar a medicação. Há todo um conjunto de "ses" nesta história. Tal como há um jogo de aparências que ganha uma dimensão gigante quando nos sentimos ameaçados.
É um livro que nos dá a sensação de claustrofobia. Além do mistério: quem matou Don?

O exemplar que li é da Biblioteca Municipal de Sintra, e foi editado pela Dom Quixote.