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quinta-feira, 2 de maio de 2019

Lido: A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende

Primeiro livro terminado no mês de maio. Este livro conta para a maratona literária na categoria "América Latina". Antes de optar por A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, pensei em ler mais um livro de Gabriel Garcia Márquez (Ninguém escreve ao Coronel, como já me indicaram várias vezes), depois pensei em Sepúlveda (trouxe da minha biblioteca de juventude, o Diário de um Killer Sentimental). Até que cheguei a Allende.

"Há muito tempo que não leio nada dela", pensei eu. Poderia ter trazido de casa dos meus pais, qualquer um daqueles que a minha mãe comprou em tempos, não fosse terem sido arrumados em parte incerta. Decidi trazer um da biblioteca. Fui lá no dia 27 e, entretanto, já o terminei.

As minhas expetativas eram nulas. Não conhecia rigorosamente nada do enredo. Sabia apenas que foi dos primeiros romances da autora. E gostei imenso. Atravessamos cerca de 65 anos da história da família del Valle e Trueba, num país não nomeado da América Latina. Não é preciso sermos génios para perceber que se trata do Chile, como é óbvio.

Os del Valle, uma família endinheirada, têm 10 filhos, sendo que a mais nova, Clara, tem o dom da clarividência. Esteban Trueba é um jovem ambicioso e trabalhador que sonha casar com Rosa, uma das filhas dos del Valle, apesar da sua condição mais humilde.

Entretanto, Rosa morre, e Esteban, apesar da dor da perda da noiva, acaba por casar, alguns anos depois com a jovem Clara. Desse casamento nascem Blanca e os gémeos Jaime e Nicolau.

Vemos Esteban prosperar economicamente, e a ascender politicamente dentro do Partido Conservador.

Isabel Allende é, especialmente, descritiva nos movimentos políticos emergentes na época e da tentativa de instaurar um governo socialista no país. A figura do Presidente é referida muitas vezes, até ao golpe de estado militar. É fácil para nós assumirmos que o Presidente (sem nome) é o retrato de Salvador Allende e que o novo governante é uma figura militar ditatorial (Pinochet).

O casamento e a relação de Esteban e Clara é marcada por altos e baixos - mais baixos do que altos - muito devido ao mau génio de Esteban, um homem ultra-conservador e dado a ataques de fúria. A personalidade de Clara é o oposto da do marido. De espírito livre, Clara consegue prever acontecimentos do futuro e passa toda a sua vida a registar cada momento familiar no que ela chama "cadernos de anotar a vida" que, no fim, iriam servir para que a neta, Alba, pudesse escrever, cronologicamente, a história da família.

Clara, Blanca e Alba são as três grandes protagonistas desta obra. Todas elas completamente diferentes entre si, mas todas com uma garra tremendas, apesar de privilegiadas.

Esta minha análise é muito superficial. A história não é assim tão linear. O livro é escrito através de dois pontos de vista diferentes: o de Alba, de acordo com o que viveu e escreveu baseado nos cadernos da avó, intercalado com a visão de Esteban que aparece em discurso direto em vários momentos da narrativa.

E temos aqueles momentos quase mágicos de Clara, com as suas "esquisitices", excentricidades como lhe chamam... a mulher que consegue tocar piano com a tampa do teclado fechada, a mulher que consegue prever mortes e tremores de terra, a mulher que consegue mexer objetos com a mente... é de um realismo tão fantástico que, quase somos levados a crer, que efetivamente as coisas possam ter sido assim.

É um livro que recomendo vivamente. É um romance que fala de amor, perseverança, valores morais, valores familiares, vingança, destino, magia, política e vida.

Citação escolhida:
Escrevo, ela escreveu, que a memória é frágil e o trânsito de uma vida é muito breve e sucede tudo tão depressa que não conseguimos ver a relação entre os acontecimentos, não podemos medir a consequência dos actos, acreditamos na ficção do tempo, no presente, no passado e no futuro, mas também pode ser que tudo aconteça simultaneamente, como diziam as irmãs Mora, que eram capazes de ver no espaço os espíritos de todas as épocas. Por isso, a minha avó Clara escrevia nos seus cadernos para ver as coisas na sua dimensão real e para enganar a má memória. 

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