Páginas

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Lido: Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira

 Podia contar aqui uma história elaboradíssima sobre como cheguei a este livro, mas estaria a mentir. A verdade é que procurei, propositadamente, um livro que se passasse no Outono, uma das categorias da maratona Estações Literárias, e que, ao mesmo tempo, servisse para o projeto Luz de Outono. E enfiei na cabeça que tinha de ser um autor português - saberá lá Deus explicar porquê esta minha teimosia!!! 

Parecia a Penelope do Criminal Minds a cruzar categorias no computador. E a verdade é que na lotaria calhou Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira. Sabia rigorosamente ZERO desta obra. E foi uma agradabilíssima surpresa. 

Álvaro Silvestre é um homem de posses e encontra-se casado com Maria dos Prazeres, filha de um fidalgo. O casamento havia sido combinado, dado que a família de Maria dos Prazeres estava na ruína. Não era portanto em feliz enlace. Mas isto haveremos de saber umas páginas adiante, já que o livro abre com Álvaro Silvestre a entrar na redação do jornal da terra, insistindo em publicar uma nota de culpa, sua culpa, sobre todos os erros cometidos na sua vida, instigado pela esposa. Maria dos Prazeres surge, de repente, e alega que o marido estará perturbado e voltam para casa. 

Maria dos Prazeres deita o olho ao cocheiro e isso não lhe passa despercebido. Numa noite de bebedeira, Álvaro sai de casa, e ouve o mesmo cocheiro e Clara, a filha do oleiro, deitados no palheiro. Ouve então o cocheiro a gabar-se dos olhares da patroa, e os dois amantes a falar na gravidez que a rapariga tem vindo a esconder de todos. 

No dia seguinte, conta tudo ao pai de Clara, como forma de vingança. E é, nesse instante, que a bola de neve dos acontecimentos começa a rolar, e a crescer até ao desastre final. 

Não conhecia o autor, nem a obra, como disse anteriormente. A vida de aldeiazinha de interior, as vivências de aparências, as regras sociais, a pobreza, os rigores da terra, as desigualdades, a iliteracia... isto era o Portugal no regime salazarista (e ainda fico surpresa quando oiço "No tempo de Salazar é que era..."). E é esse o Portugal aqui descrito. 

Gostei imenso desta leitura. Não é fácil - trata-se de um livro bastante complexo, e é necessário ter alguma paciência para conseguir lê-lo. Às vezes, o autor usa de uma linguagem mais intrincada, e conversas entre as personagens que podem ser complicadas de seguir. Houve alturas que tive de voltar atrás e reler passagens inteiras para conseguir prosseguir, mas valeu cada instante. 

***

Um pouco de contexto retirado de https://ensina.rtp.pt/

"Nascido na cidade brasileira de Belém do Pará, em 1921, Carlos de Oliveira vem com dois anos viver para Nossa Senhora Das Febres, no norte de Portugal e, mais tarde, vai estudar para Coimbra, onde se destaca “entre aqueles que não aceitam que a literatura viva debaixo de um regime ditatorial de um país oprimido”. Dentro de si tem os camponeses pobres da sua aldeia, as histórias de desigualdades, os números impensáveis da mortalidade infantil e a crescente onda de imigração. São estes anos em Febres que, como diz um dia, tatuaram nele uma consciência social.

Quer na prosa como na poesia, o autor inscreve essa marca que faz dele um dos pioneiros do neorrealismo em Portugal ao lado de Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes e Mário Dionísio. Como poeta e ficcionista, Carlos de Oliveira publica dezenas de livros; obras marcantes como “Descida aos infernos”, “Micropaisagem”, “Finisterra: paisagem e povoamento” e este “Uma abelha da Chuva”, de que trata o documentário que aqui trazemos, ilustrado com imagens da sua adaptação cinematográfica por Fernando Lopes."

Sem comentários:

Enviar um comentário