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quarta-feira, 27 de julho de 2022

Os calhamaços desta vida: Se isto é uma mulher, de Sarah Helm

Aviso à navegação: não estou a publicar por ordem de leituras terminadas os livros que li nos últimos meses. Como ontem falei de um calhamaço, hoje falo do outro que me prendeu por quase quatro meses. 

"Se isto é uma mulher" remete-nos para a obra de Primo Levi "Se isto é um homem" (link aqui). Na obra do químico italiano, é abordada a sua passagem pelo campo de concentração Auschwitz-Birkenau. Sem floreios, sem romancear, Levi fala - de forma muito crua - sobre o terrível tratamento sofrido naquele campo de concentração. 

E talvez, por Auschwitz ser o mais famoso campo de concentração daquele período, tendemos a secundar outros. O número de campos de trabalho, de concentração, de encarceramento, de extermínio (e respetivos subcampos) não é exato, mas em todas as fontes que consultei, o valor ascende sempre aos milhares. 

Sarah Helm concentrou-se em Ravensbrück. Este campo, exclusivamente feminino, situava-se a menos de uma centena de quilómetros de Berlim, e por ali terão passado mais de 132 mil mulheres e crianças. Estima-se que cerca de 90 mil pessoas terão sido mortas neste campo. E quando digo "terão sido mortas", falo em todos os aspetos da morte: assassinadas a tiro ou em câmaras de gás, à fome, à sede e ao frio, de loucura, de doenças naturais ou provocadas por experiências médicas... 

Se, nos primeiros meses, as condições não eram as piores (havia comida, roupas, lençóis e colchões, por exemplo), há medida que o tempo foi passando, tudo se degradou. Oito meses depois do início da guerra, a população aprisionada já excedia a capacidade do campo. 

E a autora explora exatamente essas vivência. Depois de falar com várias sobreviventes e filhos de sobreviventes, Sarah Helm conseguiu construir um livro que nos deixa nauseados, para ser simpática. Várias vezes, chorei. Os relatos são impressionantes, para dizer o mínimo. 

Não só devido à sua natureza, não é um livro fácil de ler. Sarah Helm vai atrás de pessoas e das suas histórias, e nem sempre por ordem cronológica. Andamos para trás e para a frente no tempo, fala-se de várias mulheres, mistura-se o relato em discurso direto, com memórias em 2.ª mão... acho que foi por estas razões que demorei tanto neste livro. 

Não é um passeio no parque. Não é um livro para ler num bonito dia de sol. É um livro que nos vai magoar profundamente e fazer-nos equacionar sobre os conceitos de "humanidade", de "decência" e "dignidade". Talvez também em "esperança". Houve aquela prisioneira que disse que se recusava a morrer nessa condição. Morreu poucos dias depois da libertação, como uma mulher livre, tal como desejava... 

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