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sábado, 19 de outubro de 2019

Lido: O Retorno, de Dulce Maria Cardoso

Li este livro, aos bocadinhos, em três noites. O Henrique vai para a cama às 21h30, e ainda me sobram duas (boas) horas de leitura, todos os dias, antes de cair de cansaço. E foi nestes bocados que li O Retorno.

Já o tinha visto - várias vezes - nos escaparates (esta palavra ainda se usa?), achava a capa bonita, um livro com um tamanho e forma interessantes, mas ainda não tinha dado o passo em frente. 

Há meses, ouvi a Silvéria "The Fond Reader" a falar tão, mas tão bem que "fiquei com a pulga atrás da orelha". Aproveitei há umas semanas, um saldo engraçado no cartão da Bertrand, e trouxe-o comigo. 

Começo pelo formato: mais pequeno do que o habitual e de cantos arredondados, O Retorno é um livro ergonómico e maneirinho de se pegar. Um ponto a seu favor. 

A história é impressionante: estamos em Angola em 1975, mesmo à beira da independência daquele território, em relação a Portugal. Os portugueses já estão todos a regressar à metrópole. Uma família está prestes a embarcar numa das últimas pontes aéreas seguras para Lisboa: pai, mãe e dois filhos adolescentes - rapaz e rapariga. 

No dia, o pai é levado por um grupo armado, e a mãe e os filhos conseguem embarcar. A chegada a Lisboa é tormentosa, confusa, triste, desesperante... vidas embaladas e enfiadas em malas num país que, em alguns casos, nem sequer conhecem. Por exemplo, o nosso narrador, Rui, um adolescente com cerca de 15 anos, nasceu em Angola, tal como a irmã (um ano mais velha).
O carimbo que recebem é o de "retornados". Se, por um lado, são recebidos e alguns alojados em hotéis - a família que seguimos é alojada numa unidade hoteleira de 5 estrelas no Estoril - de forma a minimizar os transtornos, o apoio burocrático do Estado é praticamente nulo. 

Eram pessoas que ficaram bastante ressentidas com o Estado português, por terem sido forçadas a abandonar tudo. Esse ressentimento é muito bem focado nos diálogos que as personagens têm no decorrer da ação. Assistimos a conversas em que estas pessoas se revoltam contra aqueles que culpam pela situação: Mário Soares e Almeida Santos, por exemplo. 

Tenho a impressão que, mesmo hoje em dia, esta questão não é muitas vezes abordada. Pessoalmente, não conheço ninguém que tivesse passado por esta situação terrível: ter de deixar uma casa, os seus pertences, negócios.. e nem sequer me consigo imaginar nesta posição: ter de selecionar, de entre as minhas coisas, o essencial para levar numa única mala e embarcar, para sempre, para um país que apenas conheço de ouvir falar. 

E Portugal não estava minimamente preparado para receber estas pessoas. Pelo que li, posteriormente, foram cerca de 600 mil pessoas que entraram no País, em ano e meio / dois anos. O 25 de abril tinha sido um ano antes, e ainda estava tudo muito confuso, para toda a gente.

É um livro essencial. Não ficaria surpreendida que, daqui a uns anos, se torne de leitura obrigatória nas escolas.


1 comentário:

  1. Também já li este livrinho maneirinho e adorei, embora tivesse sentido falta de qualquer coisa no final (nomeadamente o que aconteceu de verdade ao pai...). Como tu, aconselho-o vivamente!
    Escaparate é uma palavra que se usa em espanhol para montra, por isso é uma palavra que uso muito :)
    Beijinhos!

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