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quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Lido: Os Blumthal, de José Milhazes

Este não será um post simples de escrever, porque também não foi um livro simples de ler. O autor, José Milhazes, é jornalista, historiador e tradutor. Em finais dos anos 70, foi para a Rússia e por lá ficou uns anos. Constituiu família, e por volta dos anos 90 torna-se correspondente, primeiro, do jornal Público, e depois de outros meios de comunicação portugueses. Apenas em 2015 regressa definitivamente a Portugal. 

Fiz esta introdução porquê? Para demonstrar que a sua ligação à Rússia e à História estão mais do que patentes nas obras que escreveu. E este livro, por ser ligeiramente diferente dos demais da sua autoria, chamou-me a atenção. 

José Milhazes pretendeu contar a história da família da sua esposa, Siiri, que está intimamente ligada à construção da Rússia como a conhecemos hoje. Não é tanto um livro meramente político, nem meramente histórico, nem apenas só de memórias, nem uma biografia só por si mesma - é um bocadinho disto tudo. 

Desde passagens por campos de concentração alemães, enquanto comunistas, passando por campos de trabalho na Sibéria, sob acusações de traição, passando por execuções sumárias... foram vários os membros da família que foram vítimas de dois dos piores sistemas políticos do século XX.

Através de entrevistas e investigação documental, foi possível reconstituir os passos de Erich Sõerd e Leida Holm, os avós de Siiri, que lutaram por uma sociedade melhor na sua Estónia natal (que passava pela introdução do comunismo soviético ativo), quando este território fazia parte da União Soviética. 

Apesar de dar uma "achega" a vários familiares, Erich e Leida são o ponto central desta viagem, sendo que Leida que sobreviveu ao marido (ele faleceu durante a 2.ª Guerra Mundial, durante o cerco militar das forças nazis à cidade de Leninegrado e ela faleceu no início dos anos 80) é a protagonista trágica da história desta família. 

A maior dificuldade que encontrei tem origem no meu desconhecimento sobre a História russa. Quero dizer, não sou burrinha e conheço os "mínimos olímpicos", mas foram tantas as datas, locais e nomes, que acabava por me sentir, às vezes, meio perdida. O trabalho de investigação está brilhante - o que não é de estranhar, como é óbvio, tendo sido este livro escrito por quem foi. 

Gostei mesmo muito desta leitura. Sinto que aprendi um pouco mais sobre a União Soviética, sobre os gulags e sobre o tratamento que Estaline e os seus davam a quem não seguisse cegamente os seus intentos. Quem questionasse, quem duvidasse... era-lhe colado o selo de "contra-revolucionário" e as dificuldades estavam apenas aí a começar.

Li Os Blumthal para a maratona Estações Literárias (categoria autor nacional) e para o Português é Bom (letra B). 

Os Blumthal foi editado pela Oficina do Livro (grupo Leya), em 2019. 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Lido: A Novela de Xadrez de Stefan Zweig

Sabem o quão difícil é encontrar um autor ou um livro cuja inicial comece com "Z"? Brincadeirinha à parte, há imenso tempo que tinha vontade de experimentar Stefan Zweig. E há umas semanas, numa visita à FNAC, trouxe "A Novela de Xadrez" que já me andava a cutucar... 

Temos então um navio em direção a Buenos Aires. Acaba-se por saber que um dos passageiros embarcados é campeão de xadrez, um homem arrogante e de poucas palavras. Logo, subtilmente, entre os restantes passageiros, é formado um grupo que se entretém a jogar xadrez, até que chama a atenção ao campeão. 

Porém, de entre os passageiros, surge alguém que os aconselha no jogo, capaz de rivalizar com o campeão. A história e as capacidades deste homem estão envoltas numa aura de mistério. E à medida que se desvenda a sua história, assistimos a uma profunda reflexão sobre o nazismo, e os horrores daquela época.

O autor, Stefan Zweig - descendente de judeus - nasceu em Viena de Áustria. Deixou o seu país natal em meados de 1934. Os seus livros foram banidos na Alemanha, ainda nos anos 30 do século XX. Em 1942, exilado no Brasil, suicida-se, profundamente desesperado pelo alastramento da guerra na Europa, e pela situação política do continente europeu. Esta foi a sua última obra...

Como disse anteriormente, foi uma estreia com este autor austríaco, e fiquei tremendamente impressionada com a sua história. Quão desesperançado em dias melhores para a Europa precisava de estar para terminar assim? Como seria a sua vida se não tivesse optado pelo suicídio, e tivesse conseguido voltar a casa, no pós-guerra?

Quanto ao livro, li-o em pouquíssimo tempo - 3 dias, creio - não pela dimensão do livro que tem pouco mais de 100 páginas - mas porque existe vida lá fora. A história está fabulosa. Através do xadrez, é-nos apresentado uma obra que nos obriga a refletir sobre uma enormidade de temas: a loucura, a resignação, a tragédia, a dinâmica humana... 

Esta foi a última obra de Zweig. Aliás, na semana do seu suicídio, enviou o manuscrito para os seus editores. E, nas entrelinhas da história, conseguimos sentir o "xeque mate" final. Um livro para jogadores e não jogadores de xadrez.

Inseri esta leitura (a 82.ª do ano) na maratona Estações Literárias (livro com menos de 200 páginas) e no projeto "Luz de Outono" (letra Z). 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Lido: O Pregador Atormentado, de Thomas Hardy

 Uma das meninas do clube de leitura a que pertenço (Regaleira de Livros) esteve a destralhar livros, e eu aproveitei e solicitei dois livros: O Pregador Atormentado, do inglês Thomas Hardy, e um policial de Maigret. Comecei pelo clássico que "caiu" mesmo bem para o mês de outubro em que se assinala o #victober - Outubro Vitoriano. 

Trata-se de um pequeno conto sobre um ministro metodista que é colocado, temporariamente, numa paróquia/congregação. Quando chega, quase ao cair da noite, e sem que ninguém o esperasse, Stockdale, assim se chama, encontra e fica hospedado em casa de uma viúva, Mrs. Newberry, por quem acaba por se apaixonar. 

Inicialmente, ela não se apercebe dessa afeição, até que ele se declara. Mas as atividades "extracurriculares" da jovem viúva conduzem a uma série de mal-entendidos, e a um Stockdale desesperado de frustração, porque dessa forma não poderão casar. 

É um conto muito engraçado que acaba por nos mostrar as várias facetas das personagens, em busca de um final feliz. O livro é pequeníssimo (90 páginas) e lê-se numa penada. 

Foi a minha estreia com Thomas Hardy. Acredito que esta seja apenas uma pequena amostra da qualidade de escrita deste autor. Não vou tecer grandes considerações sobre o livro; apenas que vale a pena. É uma história, como já disse, muito engraçada, mas sem ser patética. Quase como o enredo de uma comédia de domingo à tarde. 

Além de ter inserido esta leitura no #victober, também o inseri na lista para a maratona Estações Literárias (capa com tons amarelos e/ou castanhos). 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Lido: Amália - O romance da sua vida, de Sónia Louro

(ups, I did it again... este post estava, em teoria, agendado para 7 de outubro)

Amália. Vejamos. Isto dava pano para mangas, mas ao mesmo tempo, aquilo que conheço sobre a senhora dava meia página A4, com espaçamentos de tamanho 2, e tamanho de letra 14. Do your math...

Lembro-me de ser pequenita e ouvir o fado "Casa da Mariquinhas" da Amália e adorar a música. Era uma das faixas dum vinil dos meus pais. Uma qualquer coletânea de grandes sucessos. A letra passou-me totalmente ao lado. Mas o som da guitarrada e a voz dela, divertiam-me. 
Anos mais tarde, ouvi o "Povo que lavas no rio". Sabia que era um fado da Amália, mas foi numa outra voz que o ouvi. Logo a primeira frase "Povo que lavas no rio / E talhas com o teu machado / As tábuas de meu caixão" deixou-me intrigada. 

Aquela figura que via na televisão. Aquela figura que cantava vestida de negro e de olhos fechados, e agradecia sempre com um "obrigada" arrastado e nasalado. Era mais aquilo que me afastava do que o que me atraía em Amália. Depois ela morre. E os milhares de pessoas que foram ao funeral deixaram-me a pensar que - talvez - talvez! - houvesse ali qualquer que me tinha escapado. 

Hoje entendo. A Casa da Mariquinhas, por exemplo, é muito mais que uma música que, ainda hoje, me faz balançar o corpo. É a memória. É a nostalgia pelo que se perdeu no tempo... um tempo que vinha a ser cantado desde Alfredo Marceneiro. A letra é de Alberto Janes, autor de outros grandes temas cantados por Amália. 

Pra terem feito da casa o que fizeram 
Melhor fora que a mandassem prás alminhas 
Pois ser casa de penhor 
O que foi viveiro de amor 
É ideia que não cabe cá nas minhas

Mas, a pessoa que Amália era, não conheço. E foi precisamente para a conhecer melhor que li o livro Amália - O romance da sua vida de Sónia Louro (editado em 2012, pela Saída de Emergência). Atenção que não se trata de uma biografia. Li, em janeiro do ano passado, O Cônsul Desobediente (sobre Aristides de Sousa Mendes), e percebi que o que a autora faz é pegar em factos, em dados conhecidos, pegar na biografia da personalidade A ou B, e romanceá-los. 

É um livro interessante, mas não será por ali que irei alcançar aquilo que pretendo. O livro segue Amália desde o seu início, no Retiro da Severa, até à sua morte. Os capítulos são curtos, e fáceis de ler. A própria escrita da autora é muito simples e foca o essencial. É claro que sabendo de antemão que é um romance, não poderemos saber o que pensava Amália em determinados momentos, mas chateou-me um bocadinho que a autora fosse "bater sempre na mesma porta". Invariavelmente, começávamos a ler passagens em que Amália falasse na imensa tristeza que sentia, na ausência de felicidade plena, nos medos que tinha... tornava-se repetitivo e desnecessário.

Não desgostei do livro, entenda-se, mas acaba por ser apenas a superfície de um vasto lago; é, sem dúvida, um bom ponto de partida para quem tem pretensões de explorar mais sobre Amália.  

Li este livro para os projetos Maratona Literária (autora nacional), Português é Bom (letra S) e Luz de Outono (letra L). 

domingo, 4 de outubro de 2020

Lido: Eliete, de Dulce Maria Cardoso

Estou quase quase a terminar de pôr em dia os textos em atraso das minhas leituras realizadas, nas semanas de agosto e setembro. 

No dia 21 de setembro começaram a maratona Estações Literárias e o projeto Luz de Outono. E, no dia seguinte, iniciei - quase em simultâneo - duas leituras, de duas autoras portuguesas que encaixam lindamente. 

Começo pelo Eliete, e deixarei o outro livro para amanhã. Eliete, de Dulce Maria Cardoso, foi a primeira leitura para a categoria "livro recomendado" das Estações Literárias. Há uns meses, houve todo um sururu acerca deste livro, que adquiri (muito antes da pandemia), já com intenção de o ler num futuro breve. Incluí-o na TBR (lista "to be read") de Verão, mas acabei por não chegar a ele, e transitou para o Outono. 

Eliete tem uma vida comum. É agente imobiliária, casada, com duas filhas... a relação com a mãe não é das melhores, mas tem um carinho profundo pela avó. O casamento, ao longo dos anos, conheceu vários altos e baixos, e foi esfriando. Com a filha mais nova, a relação também é morna. 

A avó sofre de demência, e após um episódio que a leva ao hospital, a senhora muda-se, temporariamente, para casa da neta. 

Mas, Eliete, cansada da sua vidinha média, decide espevitar e regista-se numa aplicação de... dígamos... engates. Inicialmente, a ideia era só trocar mensagens com outros homens, mas as coisas evoluem. Até que começa um caso com o dono do lar onde acaba por colocar a avó, como consequência do evoluir do estado de saúde. Num dia em que se ia encontrar com ele, e seguindo uma dica da avó, num momento de lucidez, encontra uma carta que vai dar a volta gigantesca na sua vida. 

Dei 4 estrelas a este livro, porque partes no meio da história foram muito aborrecidas, e algo repetitivas. A ideia é muito interessante e a conclusão do livro, deixa-nos a querer ler o resto, mas este livro é a primeira parte de uma obra. A segunda parte estava prevista para o ano passado, mas não se concretizou. Fiz uma breve busca, mas não encontrei vestígios da segunda metade desta história. Se alguém souber de algumas novidades sobre Eliete, deixem na caixa de comentários, que aqui a menina agradece. 

sábado, 3 de outubro de 2020

Lido: A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne

Em março do ano passado, estreei-me nos audibooks com A Volta ao Mundo em 80 Dias. Porém, eu sou uma moça que se distrai com frequência, e funciono muito com base na visão, logo os audiobooks não são uma opção para mim. 

Mas, recentemente a RTP e a Levoir lançaram, em conjunto, uma coleção de livros em BD de alguns dos maiores clássicos da literatura. E A Volta ao Mundo em 80 Dias foi lançado ao mesmo tempo que Alice no País da Maravilhas. Apesar de já conhecer ambos, decidi começar a coleção, porque existem outros títulos que me parecem interessantes, e não se deixam coleções a meio... toda a gente sabe disso!

Ao mesmo tempo, o tema de Setembro do Clube de Leitura a que pertenço - Regaleira de Livros - era "Viagens" e decidi reler Júlio Verne e o seu Phileas Fogg, numa incrível jornada à volta do mundo, em pleno século XIX, dependendo de entrar e sair de barcos, comboios e carruagens à hora certa, para completar a aposta do seu clube de cavalheiros. 

Obviamente, esta versão é mais sucinta que o original, senão perderia o objetivo final de ser uma BD que entusiasme miúdos e graúdos e passava a ser mais do mesmo. Mas as partes importantes, o sumo da trama estão lá. 

Este livro não é simplesmente um livro. É um fantástico retrato de época, um elogio às tecnologias que ninguém sabe onde irão parar... no fim de o ler, pus-me a imaginar: como iria Verne fazer a atualização desta sua obra, nos dias de hoje, com tantos meios de transporte, mais rápidos e mais diferenciados? Fica aí o desafio: em quanto tempo, Fogg demoraria, hoje, a fazer a volta ao Mundo?

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Lido: O Heróis das Eras - parte I, de Brandon Sanderson

Um aparte: este é um dos livros que a Saída de Emergência dividiu em dois, portanto, enquanto que, no original, a saga Mistborn é uma trilogia, em Portugal, são quatro livros. A segunda parte está ali, na estante, a olhar para mim. 

Vejamos. Muito resumidamente: no 1.º livro, tínhamos Kelsier, um afamado ladrão, a reunir um grupo, com o objetivo de derrubar o Senhor Soberano, o líder do Império Final, há mais de 1000 anos, num misto de reino de terror e fé cega (sim, enquanto nós temos várias religiões, ali, clamava-se pelo Senhor Soberano). Nesse grupo, estava Vin, pouco mais que uma adolescente, cujos poderes foram despertados e treinados por Kelsier. 

No 2.º livro, e depois de derrubado o Senhor Soberano, Vin tenta descobir mais sobre a fonte do poder do Senhor Soberano. Luthadel, a cidade-capital do Império, é governada por Elend, o namorado de Vin. Mas este território (e o poder) é demasiado "apetitoso", e são vários aqueles que o tentam conquistar. 

Elend e Vin tentam descobrir segredos que o Senhor Soberano deixou espalhados, um pouco por todo o Império, para o caso de algo lhe suceder. Um poder maior do que Vin conseguiria supor foi libertado, e é necessário contê-lo e derrotá-lo a todo o custo. Mas como? Ainda temos personagens a curar as suas feridas dos eventos do 2.º livro, outras a encontrar o seu rumo... 

Sanderson criou um mundo incrível e tremendamente bem escrito. E quem ainda não experimentou, pelo menos, a saga Mistborn não faz ideia do que está a perder. Enquanto que no The Witcher já tive momentos menos prazeirosos a ler, com este, isso ainda não aconteceu. E só me falta um livro para completar a trilogia original, portanto não creio que me venha a desiludir. 

Não se trata só de magia. Esta saga - e já o disse antes - trata de assuntos atuais encapotados em livros do género de "fantasia". Não se deixem enganar. Se se substituir o Senhor Soberano por um qualquer ditador dos nossos tempos, e substituirmos Vin, Elend e o grupo, por grupos de revoltosos, temos um cenário em muito semelhante ao que poderemos encontrar, amanhã, num qualquer espaço noticioso. 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Lido: Batismo de Fogo (The Witcher #5), de Andrzej Sapkowski

Enfim. Sapkowski redimiu-se. Depois da falta de entusiasmo no 4.º volume, voltei a adorar a saga de Geralt de Rívia. Nas últimas semanas, deve ter sido o livro que li em menor espaço de tempo, porque fiquei realmente embrenhada. 

No livro anterior, uma das últimas grandes cena era o Geralt a levar uma tareia "de criar bicho", como habitualmente se diz. No início deste livro, ele está a recuperar, mas a sua preocupação com o facto de não saber onde está Ciri, leva-o a iniciar uma demanda em busca da menina.

Mais uma vez, e para não cair na tentação de dar mais pormenores sobre o enredo - porque só lendo, a sério! - não vou adiantar muito mais. Trata-se de um conjunto de vários livros e não faz muito sentido divagar sobre um determinado livro quando não se, desse lado, há sequer uma ponta de interesse por este género. 

Algo que adorei foi a introdução de novas personagens, companheiros de Geralt nesta missão. Cada um mais diferente do outro, mas com um forte sentido de amizade e lealdade, que fazem deste conjunto o mais improvável de todos os tempos. 

Geralt entende, por fim, que não pode manter a sua tão proclamada neutralidade, perante a guerra. 

Uma das coisas que mais me agrada nesta série é que o protagonista não é estanque, nem é um herói típico, e que, em poucas páginas tanto pode salvar alguém e ter atos altruístas, como pode ser tremendamente ofensivo para com aqueles que já manifestaram intenção de o ajudar, e que se mantém ao seu lado, venha quem vier. Magoado e preocupado, Geralt pode ser insuportável, mas estas novas figuras que aparecem neste volume tornam tudo melhor, e fazem deste livro, mais do que de fantasia, um livro sobre relações. 

Ciri e Yennefer têm muito menos tempo "de antena" neste volume, mas não é uma coisa má. Julgo que o próximo deva ter mais dos seus pontos de vista.